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segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Mero


Me chamo Mero, nasci cerca de três anos depois que minha única irmã.
Não sou do tipo que gosta muito de conversa, ao contrário de minha irmã.
Se vejo uma covardia, parto logo para a ignorância, minha irmã, para o diálogo.
Sou uma espécie de ovelha negra. Se não gosto, falo, se gosto, fico quieto.

Gosto de fumar, minha irmã critica.
Quando ela tinha dez anos perguntei a ela porque não virava freira, assim
ao menos ela poderia sair daquela casa em que vivíamos, mas nossa falecida mãe
não permitiu, disse que a filha não iria ser freira, que deveria estudar, casar e ter filhos só depois que terminasse a faculdade.

Hoje, minha irmã tem marido e filhos e é feliz, andei me intrometendo no casamento dela, mas não faço mais isso.

Na adolescência me disse que queria ter uma linda família, e tive o cuidado de não deixá-la cair em qualquer conversa fiada.

Foi ela que, por incrível que pareça, me deu nome, sequer isso me deram, minha mãe nunca me deu credibilidade, as pessoas me evitam, e não tiro a razão delas. Penso que tenho um dom que eu gostaria de chamar de outra coisa, é a sensação de ver uma pessoa por dentro, e quando não vejo pessoas legais não tenho a mesma paciência que a mana para tolerar as aparências que ela me diz serem necessárias para um convívio mais ameno uns com os outros.

Tem horas que chego a pensar que ela pode ser desse mundo, mas não eu. E também não posso dizer que ela esteja errada, afinal de contas, ela vive, eu apenas existo.

Minha irmã conversa comigo e eu com ela, sabe como é, o nosso pai caiu fora muito cedo e embora eu seja mais novo, sempre procurei ser uma presença masculina e protetora para minha irmã.

O fato é que somos por demais diferentes e eu não quero mais atrapalhar a vida da minha irmã... Acostumado a cuidar sempre dela e a vendo passar por descasos e humilhações, andei me fazendo presente, daí, já sabem, fui parar no médico.

O diagnóstico é feliz, tudo indica que não irei "existir" por muito tempo, os médicos já passaram essa indireta para o meu lado... Afinal de contas, a mente é de minha irmã e lá só existe o que ela quiser que exista.

J.Mendes

6 comentários:

  1. Boa tarde minha querida poetisa belíssimo texto um conto por deveras interessante gostei muito de ler parabéns bjosss.

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  2. Conto que convoca-nos para reflexões sobre o Eu e o Outro. Embora transpareça mera ficção, não é mero o impacto diante de realidades interpessoais. Agradecido pelo momento reflexivo.

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